Retalhos

"Dona Desordem,

Quanto tempo! Já fomos amigas, lembra? Compartilhamos muito. Deixei que você morasse em minha casa por décadas e décadas e te alimentei com o meu melhor: minha vida. Quando percebi que meu cansaço não combinava com seu discurso incoerente, te expulsei da minha casa como quem expulsa o diabo. Vi você bater na porta várias vezes. Desculpe, não sou do mal, mas nossa amizade já venceu. Nunca mais te deixei entrar. Hoje, escrevo essa carta pra você e em letras garrafais te grito: você não vai voltar.

Escrevo essa carta porque, de novo, você quer entrar, mas eu não tô a fim. Percebo você me olhar na rua quando desejo o que é inventado e que não posso ter, pois vai além de mim. Desejo o homem que me tortura tão bem. Desejo ficar calada em frente a esse homem real, que me olha com a alma, para que ele leia meus olhos e sinta a alegria que ele traz em todo dia existir em mim, secretamente. E desejo o pior: que esse homem continue me torturando de alegria.

Bem, não sou tão má: te agradeço pela desordem organizada que hoje estabeleço aqui e que você, na sua desorganização e falta de postura, me ajudou a criar. Muito obrigada por ter me trazido aqui, nesse ponto. Apesar da vontade voraz de colar meu corpo no daquele homem, com super bonder, tenho que te dizer, velha amiga, que quem manda no meu terreno não é mais você. Você é apenas uma ex-amiga.

Espero que você tenha uma longa vida longe de mim. Por hoje, ficarei com a minha ordem.

Ass: Macabéia"