domingo, 4 de abril de 2010

viver é sempre melhor que sonhar...

Era difícil de acontecer, porque ele odiava quando acontecia. Mas sim, chegou atrasado ao cinema. Atrapalhado entre pegar a carteira, falar com a mocinha da bilheteria, segurar o milk-shake de quase mil calorias e umas coisas boas crocantes dentro, ele pediu:
- Queime depois de ler, sessão das nove.

Entrou na sala correndo e viu alguns lugares vazios no meio das carinhas mal iluminadas pela tela. Foi examinando uma a uma com cuidado para escolher um vizinho perfeito: um com cara de mudo. Durante a busca, viu uma silhueta interessante. Ficou concentrado esperando um flash de luz branca sair da tela pra acender o rosto.
- Puta merda, falou sem conter a boa impressão.

Em vez de se sentar, ficou ali com uma tremenda cara de besta que, por sorte, a escuridão escondia. Ela estava sozinha, na terceira fileira de trás pra frente, na poltrona bem do meio. De um lado, um casal, uma cadeira vazia e ela. Do outro, um rapaz solteiro, um espaço e ela. Não era possível que ela estivesse sozinha.
- Ô, meu filho, tu não é transparente não.
Precisou do grito pra se dar conta que estava em pé fazia mais de um minuto, encarando a menina. Sentou ali mesmo, na poltrona do canto da fila e continuou analisando a situação. Ela tinha lábios grossos, mas nada exagerado, um nariz levemente batatinha que combinava com um queixo proeminente e uma estrutura óssea perfeita do rosto.
- Estrutura óssea perfeita, repetiu baixinho.
Ah, se um amigo escutasse essa viadice.
Ficou intrigado com o fato de ninguém ter sentado ao lado dela. Será que cheirava mal? Vai ver tinha chiclete na cadeira vizinha. Mas eram duas vazias, uma de cada lado... ah, claro! Deviam ter bolsas ocupando as cadeiras. Ou de repente alguém derramou alguma coisa. Sorvete. Ou alguém limpou a mão cheia de gordura de batata-frita. Ou podia ter uma criança, claro. Mas a censura não permitia crianças ali. Um anão, isso, um anão. Que idéia imbecil.
Ele tinha que ir. Tinha que perder a vergonha que sentia quando passava na frente de uma fileira de pessoas, obrigando todos a dançar balé pra levantar as pernas e dar espaço. Fora que tinha pânico de ser atingido com pipoca babada, cuspe, ou um grito ofensivo qualquer. Começou a planejar cada passo. Como passaria por cada pessoa da fileira. Mas aí foi interrompido por uma voz.
- Dá licença?
Nem teve tempo de pensar. Um casal passou por ele, chegou até a silhueta ossuda, pediu que ela pulasse uma cadeira e se acomodou.
Pensou que era melhor assim. Pelo menos ia conseguir ver o filme.
Saindo de lá foi encontrar o Armando no Furinga.
- E o filme, bom?
- Foda. Mas perdi o começo.
- Chegou atrasado?
E contou tudo.
- Porra, bicho. Mas tu é uma besta mesmo. Vai ser racional assim na casa do caralho.
- Você me conhece, Armando. Eu estava planejando tudo.
- Planejando nada. Você estava é se cagando de medo.
- Mas você não sabe de tudo. Eu esperei ela na saída.
- Todo cagado?
- É sério, cara. Esperei e perguntei se ela gostou do filme.
- E ela?
- Disse que não.
- E você?
- Eu falei assim: foda-se.
- Foda-se? Foda-se? Você virou e disse foda-se?
- É, virei e disse. Porra, o filme era foda.
- Alceu, você é doente.
- Cara. Se a mulher não gostou de Queime depois de ler, não vai ser mulher pra mim.
- Tu é um medroso. Só uma inflável pra aguentar você. Aliás, tem um site legal aí se você quis...
- Ah, dá um tempo, Armando. Não é isso. Eu só acho que a coisa tem que ser perfeita pra acontecer.
- Deve ser por isso que nunca acontece nada bom na sua vida.
- O filme era bom.
- Você lia historinha da Disney quando era uma menininha? Porra, que papo de princesa. Eu fico pensando se você é um romântico imbecil ou um cara que pensa demais. Imbecil também. Tua vida é que nem a sessão de hoje. Você fica olhando o que tá acontecendo de bom em volta, lá do canto, deixando todo mundo passar por cima de você.
- Mas pense por um outro lado. Quando acaba a sessão sou o primeiro a sair.
- Peraí, peraí. Então você chega pensando na saída?
- Precaução.
- Ah, cara. Morre logo então. Ou então bebe, vai. Você fica legal quando enche a cara. Ô, Moreira. Traz uma dose daquelazinha pro Alceu.
- Ô, Moreira! E traz também o Engov. E uma água.



A verdade é quie não podemos ter medo de viver, senão podemos perder a oportunidade de verdadeiramente sermos felizes, hoje é exatamente assim que eu me sinto. Pensei demais, calculei demais, errei demais, fui egoísta demais... e olha onde estou? Olha o que eu precisei perder.... pois é, não façam o mesmo, acreditem, viver é sempre melhor que sonhar... COMO É QUE EU FUI ESQUECER LOGO DISSO?

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